Wednesday 19 December 2007

Escritores Fantasmas



Há pouco tempo o "Times" trazia um artigo sobre os escritores fantasma, que estão a dominar cada vez mais o mercado dos livros na Grã-Bretanha. Isto por causa do sucesso das biografias de celebridades que contratam jornalistas ou escritores pouco conhecidos para "transcrever" as suas memórias, mesmo quando ainda quase não têm idade para as ter. Aqui não há cão nem gato, participantes do "Big Brother" e do "X Factor", futebolistas, membros de grupos musicais pré-fabricados, apresentadores de rádio e televisão, modelos de Página 3 (raparigas normalmente despidas e de cabelos oxigenados com peitos salientes) que não impinja a sua biografia ao público.


A verdade é que não é muito difícil impingir livros que o público quer comprar e que se tornam "bestsellers". O equivalente ao Zé Povinho britânico, o John Smith entretem-se, emociona-se e inspira-se com as histórias da vida destas personagens chamadas "Z list celebrities", ou seja pessoas famosas de quarta ou quinta categoria. Mas porquê?


Vamos analisar casos. São normalmente jovens de origens humildes que triunfam materialmente apesar de não terem críticas positivas ao seu "trabalho", que consiste em "tentar ser famoso". A infância e adolescência deve ser miserável e escabrosa com episódios de abuso sexual, drogas, dependência face ao sexo, desordens alimentares e timidez crónica. Depois tem que haver o triunfo sobre a adversidade e a epifania do que realmente é importante na vida: ser um sucesso e ganhar muito dinheiro, comprar mansões de mau gosto e vestir-se de Gucci da cabeça aos pés e ser um "role model". Que alguém possa considerar as "Spice Girls" um modelo de comportamento a seguir é um mistério, mas o próprio "Secretário de Estado para as Crianças" (sim, existe) do governo Gordon Brown sugeriu isso mesmo: As "Spice Girls" devem servir de inspiração às crianças britânicas.


Desde cantoras tipo Victoria Beckham (com vários livros escritos pela sua pena não existente) à modelo Jordan (célebre pelo tamanho do peito) que agora também escreve romances que vendem mais que os autores seleccionados para o prémio Booker todos os juntos, a futebolistas quase analfabetos, a cozinheiros com mais jeito para souflés do que para escrever há muitos candidatos à procura de um bom escritor fantasma. Publicar um livro tornou-se tão necessário como ser vonvidado em "chat shows", fazer anúncios, lançar um perfume: faz parte do "branding".


O escritor fantasma ideal deve ser ultra-discreto e assinar documentos de confidencialidade, além de conseguir reproduzir a "voz", o "espírito" da pessoa que vai retratar na auto-biografia.


Para os que aspiram a escrever mas não têm ideias e um ego capaz de ficar nos bastidores é a melhor opção. Segundo o "Times" existem cinco ou seis escritores fnatasmas que ganham a vida é até podem ficar ricos no actual mercado.


O termo escrita fantasma data dos anos 20 nos Estados Unidos, quando jogadores de baseball começaram a publicar colunas nos jornais escritas por outras pessoas enquanto eles passavam o tempo no relvado com um boné, um bastão e calças justas.


Um problema que pode ocorrer nesta dúbia transacção entre autor e sujeito é que a celebridade pode convencer-se que o livro foi escrito por ela. Outros mais modestos como Ronald Reagan insinuam que não escreveram uma única palavra. Quando um jornalista lhe pediu para comentar o seu livro" An American Life", o ex-actor, ex-presidente respondeu: "I hear it's a terrific book"..."qualquer dia vou-lê-lo".


Também os políticos estão demasiado ocupados para escrever as suas biografias, outros livros, colunas e artigos em jornais e manter blogues, recorrendo aos serviços de profissionais. No entanto os escritores fantasmas permanecem invisíveis, se calhar a planear uma revolta ou uma greve como os guionistas de Holywood...quem vai escrever as memórias das Paris Hiltons deste mundo?

Friday 14 December 2007

O Natal em Londres



Eça de Queiroz, que como diz a minha avó é uma referência fundamental onde se encontram pensamentos, divagações e lições sobre todos os temas (ou quase todos) e que pode ser consultado como uma enciclopédia da contemporaneidade, escreve nas Cartas de Inglaterra e Crónicas de Londres sobre o Natal.
“O Natal, a grande festa doméstica da Inglaterra, foi este ano triste (...) o que nos estragou o Natal, não foram decerto as preocpaçãoes políticas (...) as desgraças públicas nunca impedem que os cidadãos jantem com apetite e misérias da pátria, enquanto não são tangíveis e se não apresentam sob a forma flamejante de obuses rebentando numa cidade sitiada, não tirarão jamais o sono ao patriota.
Não, o que estragou o Natal foi simplesmente a falta de neve. (...) um natal sem neve, um Natal sem casacos de peles, parece tão insípido e tão desconsolado como seria em Portugal a noite de S. João, noite de fogueiras e descantes, se houvesse no chão três palmos de neve e caísse por cima o granizo até de madrugada! Um desapontamento nacional”.
A obsessão britânia com o “White Christmas” tem no entanto diminuido nos últimos anos, talvez devido à inconturnável realidade do malfadado aquecimento global. Hoje de manhã, por exemplo, havia geada nas ruas, partículas brilhantes e folhas geladas como se tivessem sido polvilhadas com acuçar cristalizado. A relva do jardim estava coberta com uma fina camada branca, mas não há sinais de neve.
Na televisão já não se ouve falar tanto na possibilidade de neve no Natal, mas sim das flores que, confusas com as alterações climatéricas, decidem florescer meses antes da Primavera, dos pássaros que não sabem a quantas andam e cujas trajectórias migratórias foram modificadas por temperaturas mais amenas no norte da Europa.
Assim como a questão fascinante de qual disco será "número 1" no top na altura do Natal, fazem-se apostas se haverá ou não neve a completar o quadro nostálgico da época natalícia (que oscila entre o estilo rústico vitoriano por um lado e os anos 50 do género Bing Crosby por outro).
Mas há outro Natal que espantaria o Eça: o Natal “kitsch” das festas de escritório, das senhoras de sandálias com menos 2 graus centígrados, dos tontos que andam vestidos de pais natais ou de alces ou elfos ou com decorações a enfeitar a roupa, brincos em forma de árvore de natal, camisolas de lã com bonecos de neve, das casas cobertas de luzes por fora, das canções dos anos 80.

Voltando ao Eça (e volta-se sempre ao Eça) esta pequena crónica do Natal começa muito bem a descrever a falta de neve e a magia e encanto da festa cristã: "e por corredores e salas, as crianças, os bébés, com os cabelso ao vento, vestidos de branco e cor-de-rosa, correm, cantam, riem, vão a cada momento espreitar os ponteiros do relógio monumental, porque à meia noite chega Santo Claus, o venerável Santo Claus que tem três mil anos de idade e um coração de pomba (...). Mas não se iludam os que pensam que o Natal subiu à cabeça do Eça e o romantismo lhe turvou a mente lúcida. A verdade é que esta crónica cedo descamba para o cinismo, a crítica social e o desprezo e desilusão causada pela condição humana. Depois de falar das criancinhas e do "Papá Natal", o "respeitável ancião", o escritor lembra que a ausência da neve tem um ponto positivo: "resta a consolação que os pobres tiveram menos frio". E daí não há como estancar a tinta na pena cáustica do Eça que logo nos descreve o lado miserável da Inglaterra no fim do século XIX, das crainças com fome e da caridade sazonal, dos trabalhadores famintos na Irlanda revoltosa:"Donde se prova que esta humanidade é o maior erro que Deus jamais cometeu (...) de facto, pode-se dizer que o homem nem sequer é superior ao seu venerável pai, o macaco: excepto em duas coisas temerosas-o sofrimento moral e o sofrimento social."

Ora eu acredito que o Eça tenha iniciado a crónica com boa vontade, mas o instinto crítico e a consciência foram mais fortes que os lugares-comuns sobre a nevezina, os bébés de cor-de-rosa e o Santo Claus.


Sunday 2 December 2007

Londres-um guia pessoal e transmissível

Greenwich


Por onde começar?
Um dos meus blogs preferidos "The Greenwich Phantom" explica que "Greenwich is one of the coolest "uncool" places there is in London". Ou seja é um bairro que não está na moda, não é "hip", em "trendy" nem "happening"e é aí que reside o seu encanto.
Na psico-geografia de Londres, Greenwich é considerado "fora de mão", longe do centro, um local onde vão os turistas ou onde se vai passar o dia, porque está distante do epicentro da cidade, de Soho, de Covent Garden, do "West End" e de Notting Hill. A viagem para os que lá não moram ou costumam frequentar parece interminável, tem que se apanhar um comboio de Charring Cross (20 minutos) ou o DLR, uma extensão do metro à superfície que passa por Canary Wharf e pelas docas, arranha-céus, apartamentos de luxo e parques indsutriais.
A verdade é esta: Greenwich fica na margem sul do Tamisa. E toda a gente sabe que Londres se divide entre norte e sul do rio. Quem mora no norte nunca, em nenhuma circunstância vai ao sul. E quem mora no sul, quando muito vai ao centro. Há uma enorme rivalidade entre as duas facções ou tribos urbanas. Mas não nos adiantemos a examinar a dicotomia norte-sul, a mais importante, com paralelos com a guerra civil norte-americana, em termos de lealdades, não em termos de plantações de algodão, escravatura e tudo o vento levou.
Esta gigantesca metrópole de 10 milhões de almas é composta de aldeias e "pockets" de pobreza ao lado de bairros de bilionários (geralmente russos e árabes que adoram o Harrods e as vantagens que o governo britânico lhe dá). O oeste em geral é a zona mais chique, que se estende de Notting Hill, a Kensington, Chelsea, Fulham, Chiswick a Richmond. Depois há um leste que é o território "cockney" e "Working class", industrial e do "East End". O norte da cidade é muito mais bem cotado do que o sul. É no norte que fica Hampstead, Highgate, Islington e Camden (um bairro de mau nome que foi reabilitado). O sul foi mais severamente bombardeado na II Guerra Mundial, por isso tem um planeamento urbano duvidoso ou inexistente, com crateras metafóricas urbanísticas. Não há continuidade, há zonas industriais, misturadas com bairros residenciais, com baldios, fábricas e edifícios vitorianos no meio. . Tem paisagens de uma agressividade estética estonteante. Basicamente o sul não faz sentido.
E é neste contexto que surgem pérolas como Dulwich, Camberell, Blackheath e Greenwich.

(continua)