Sunday 6 December 2009

Serões da província-Crime no campo

Estive ausente deste espaço no mês de Novembro e tenho passado muito pouco tempo na minha aldeia, pelo que a minha integração está a ser mais demorada.
No entanto ocorreu aqui um incidente quando um rapaz apareceu na minha casa à noite para me vender qualquer coisa e eu não lhe abri a porta, ao ver através dos vidros que ele tinha ar de quem estava desesperado e por me ter começado a gritar. Então, eu peguei no bébé (excitadissimo com esta aventura tardia) e fui à loja comprar pilhas para o telefone fixo. Estava incomunicável, já que não temos rede para telemóveis e na verdade o tal rapaz continuava a rondar a casa. Então fui ao pub e contei aos donos o que se tinha passado. O dono do pub (que está sempre embriagado e nunca se lembra de quem eu sou e pergunta normalmente o que me traz por ali, ao que eu sempre respondo que vivo na aldeia há já quatro meses) decidiu criar uma "patrulha" para investigar o sucedido. Entretanto a polícia telefona para o pub para me "entrevistar" sobre o suspeito e o crime. Expliquei à senhora agente da polícia que não havia ocorrido crime nenhum e apenas que o rapaz tinha sido um pouco insistente e agressivo. Mas as pessoas do pub queriam já que ele fosse detido por me ter incomodado. Através de várias conversas foi apurado que o jovem tinha sido libertado de um estabelecimento prisional para menores e que estava num programa de reintegração social em que tinha que vender panos de cozinha e outras inutilidades. Começei a ficar preocupada que a tal "patrulha" pudesse querer linchá-lo e tentei acalmar os ânimos que estavam cada vez mais exaltados contra esta nova "onda de crime na aldeia". Um senhor idoso e um homem das obras no pub avisaram-me que o suposto criminoso devia fazer parte de um perigoso "gang" de assaltantes que distraem as pessoas à porta enquanto os cúmplices entram pelas traseiras. "Mas isto é tudo infundado, são apenas suposições...eu apenas não lhe quis abrir a porta", dizia eu. Entretanto decidi deixar o pub em animadas discussões sobre como combater este e outros crimes, inclusivé o graffitti na paragem de autocarro e fui para a casa. Uma hora mais tarde batem à porta e era um polícia ruivo que parecia saído de uma série cómica inglesa que veio recolher o meu depoimento. Mais uma vez repeti que nada se tinha passado e disse-lhe para não perder tempo com este caso, mas ele parecia levar a sério a queixa do grupo do pub e disse que gostava muito de vir à aldeia que era um trabalho agradável e não se importava de ir para o pub fazer uma investigação do sucedido. Será que a polícia não tem aqui mais nada com que se entreter? A publicação local dedica este mês várias páginas ao crime nas redondezas, falando de "tentativas de assaltos" e de roubo de reboques para transporte de cavalos, além do já referido num "posting" anterior furto de combustível de tractores.

Thursday 22 October 2009

BBC mostra coragem

Mesmo neste idílio campestre seguimos as notícias e hoje há aqui na Grã-Bretanha uma enorme polémica. A BBC convidou o líder do BNP (British National Party), Nick Griffin para fazer parte do painel do prestigiado Question Time, um programa de debate na televisão. Um grupo de políticos responde a questões do público, com um moderador. Há semanas que os jornais não falam de outra coisa e hoje à tarde pouco tempo antes da gravação do programa, centenas de manaifestantes contra o fascismo concentraram-se à porta do edifício da BBC, 25 deles tendo conseguido entrar até serem depois detidos pela polícia.
O BNP foi fundado em 1982 para "defender os direitos das populações indígenas da Grã-Bretanha", desde logo propagou uma ideologia de teor racista, fascista, anti-emigração, identificando-se com a Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen em França. Nick Griffin nega que o holocausto dos judeus tenha ocorrido. Nos últimos anos, este partido de extrema-direita tem vindo a crescer, alcançando 6% dos votos nas eleições para o Parlamento Europeu (dois deputados) e 16 vereadorores em Londres. O BNP tem vindo a roubar votos não aos Conservadores, mas aos Trabalhistas, com uma base de apoio na classe mais baixa, sem instrução, branca e que sente alienada da Grã-Bretanha multicultural.
Mesmo o estigma associado ao BNP parece esbater-se em certos meios, alguns orgulhando-se de votar num partido que quer um Reino Unido branco e a expatriação de cidadãos de outras origens étnicas.
Quando Griffin começou a ser entrevistado pelos meios de comunicação social temeu-se que isso levasse à reabilitação e legitimação de um partido com uma mensagem violenta e com tendências neo-nazis.
O director da BBC, Marc Thompson afirmou que cabe ao governo ilegalizar partidos políticos e que a BBC não pode exercer censura.
A BBC entende que o papel do jornalismo é questionar e expôr, não legislar. Vários políticos e comentadores, assim como os manifestantes de hoje acreditam que ao BNP deve ser negada uma plataforma onde espalhar a ideologia do ódio. Eu concordo com a BBC que os assuntos devem ser debatidos e a realidade não pode ser escamoteada numa democracia. É melhor tentar compreender o apelo deste partido e ouvir o que tem a dizer. Até porque como muitos extremistas, racistas e fascistas, os seus argumentos são pobres, mal-construídos e absurdos, a sua lógica cheia de contradições. Nick Griffin é hábil na manipulação da mensagem e em tentar esconder a verdadeira essência do partido, mas perante quem saiba fazer as perguntas certas não se aguenta. Veremos.
http://news.bbc.co.uk/1/hi/uk_politics/8321157.stm

Wednesday 7 October 2009

Pêras bêbedas em moscatel com chocolate preto



Ingredientes:

4 pêras grandes maduras cortadas em quartos
2 copos grandes de moscatel
Canela
Cravinho
Gengibre em pó
Estrela-de-anis
Crème fraîche ou nata batida sem açucar
Tablete de chocolate preto

Método:

Cozem-se as pêras em moscatel durante uns dez ou 15 minutos com as especiarias
Entretanto derrete-se o chocolate preto em banho maria. Serve-se as pêras com o molho de chocolate por cima e uma colher de sopa de crème fraîche

Tuesday 29 September 2009

Serões da Província-Outono

De regresso à aldeia somos confrontados com uma carta em tom ríspido que nos informa que não estamos a cumprir as regras sobre o tamanho correcto para as sebes do jardim da frente e que as pessoas mal podem passar na rua, dada a luxuriante vegetação. Ainda mal aqui chegámos e já somos pessoas "non gratas" na terra. A verdade é que nem sequer sabiamos que eramos responsáveis pelas malditas sebes que me pareciam ao meu sentido estético citadino completamente verdejantes e regulares.
Descobri também que há interessantes actividades como o clube de badmington, de cricket, o grupo de jardinagem anunciadas num panfleto. Existe até um grupo de leitura muito exclusivo para o qual só se pode entrar por convite. Conheci dois membros desta quase sociedade secreta, ambos na casa dos 80 e vou ainda esta semana tentar imiscuir-me (adorava ser parte deste grupo geriátrico e ver quais as saus escolhas de leitura e análises literárias).
É óbvio que tenho que passar mais tempo na aldeia e sorrir aos meus vizinhos, em vez de pensar que estou em Londres e andar de óculos escuros e roupagens urbanas, criando enorme espanto neste cenário campestre. Não ajuda que esteja sempre a ir para Oxford na ânsia de me sentar em cafés e percorrer mercados e livrarias. Oxford tem edifícios magestosos e ruas com nomes fantásticos como a rua da Lógica. Parece que estamos na série "Reviver o passado em Brideshead" e há professores e alunos vestidos como nos anos 30, com ar distraído e livros e cadernos e isto para mim é o paraíso.
Entretanto a magnífica publicação da minha terreola informa-nos dos eventos previstos, como o jantar das colheitas, reuniões das comissões da aldeia sobre os controversos e ruidosos sinos da nossa igreja e uma lista dos vegetais premiados e respectivos produtores.
A minha missão principal agora para me tentar integrar na aldeia é encomendar uma caixa de legumes biológicos, que toda a gente carrega de um lado para outro. Produzidos numa quinta cercaneira, estes feiosos vegetais estão cobertos de terra e suculentas lagartas, mas recheados de nutrientes. Em Outubro a não perder é o festival da maça, de que vou enviar reportagem. Há anos escrevia sobre a turbulenta situação na Irlanda do Norte, agora sou para este modesto blogue, a correspondente das maçãs e outros temas de carácter hortícola e frutícola.

Friday 25 September 2009

Prémio Booker, Lista de finalistas

A S Byatt, The Children's Book
J M Coetzee, Summertime
Adam Foulds, The Quickening Maze
Hilary Mantel, Wolf Hall
Simon Mawer, The Glass Room
Sarah Waters, The Little Stranger

Friday 18 September 2009

Portugal: vinhaça, viola e bordoada


Acusaram-me, emigrante ausente de "não perceber Portugal". É verdade que estou fora do país há quase 15 anos, mas tive oportunidade neste verão quente de passar aqui uma boa temporada, principalmente na minha Lisboa natal, mas também na Costa alentejana, na zona de Óbidos e na sempre refrescante vila de Palmela, onde me recebem ano após ano no seio acolhedor da Pensão Riscadinha.
O Portugal socratiano está diferente, mas continua igual. Há curiosas personagens, situações e correntes de pensamento/comportamento que nada mudaram desde as observações de Eça de Queiroz que dizia que o país era governado ao acaso: a prevalência do compadrio, pomposos políticos, novos-ricos preocupados com a ascensão social e deslumbrados pelo estrangeiro, presunçosos confiantes de que galgam os corredores do poder, em suma, os Dâmasos Salcedes que povoam esta terra. Continuamos a ser o país da intrujice, dos chicos espertos, do nacional porreirismo, das cunhas, do desenrasca, da preguiça mental e moral, da burocracia kafkiana, características descritas e satirizadas por Miguel Esteves Cardoso há anos e mais recentemente por Ricardo Araújo Pereira.
Mas cresce o snobismo da direita por razões de classe e de dinheiro e da esquerda, no seu elitismo fácil datado e à deriva. Aumenta o nacionalismo xenófobo que glorifica Aljubarrota e que ainda não aceita segundas e terceiras gerações de portugueses com raízes africanas.
O pessimismo geral galopa com a crise económica e a retoma que tarda, o descontentamento com o governo actual, as eleições para escolher entre a "esquerda" possível, pragmática, mas gasta e a direita retrógada e conservadora. E nem já o futebol anima ninguém com os resultados medíocres da selecção nacional. O ambiente é de teoria da conspiração, com escutas e alegações de corrupção e de manipulação dos meios de comunicação. E a este panorama de mal-estar político, social, económico e moral junta-se o pânico da gripe com os seus efeitos avassaladores.
O que nos resta senão refugiarmo-nos nos vinhos, nos queijos e nos petiscos?
Como diria Eça "no fundo, nós somos todos fadistas: do que gostamos é de vinhaça e viola e bordoada".

Wednesday 12 August 2009

Serões da Província-Encontros do terceiro grau

Como já referi as pessoas no campo gostam de meter conversa na rua. Ontem um senhor saiu de uma casa quando me viu na paragem do autocarro para me "ajudar" com indicações, embora tenha confessado não ter apanhado a camioneta nos últimos 50 anos. Ao pensar que os bilhetes custam ainda 20 pence ofereceu-se para me dar trocos (será que tenho cara de alguém que anda a pedir trocos?) com medo que o condutor não quisesse trocar uma libra. Na verdade o bilhete custava 2 libras.
Na aldeia vizinha fui ao centro de saúde e a caminho um homem, vestido à inverno e a cheirar a cerveja começou a fazer perguntas sobre o meu bébé, que adormecido não tinha desmaiado com o bafo de álcool do homem. A certa altura ele constatou que eu não era inglesa, começando depois a perguntar se eu era casada e se o meu marido era inglês. Vira-se então para mim e diz "não quero insultá-la mas sabe que há muitas mulheres estrangeiras que vêem para aqui para casar com ingleses e comprar carrinhos de bébé topo de gama, modelos ultra caros". Olhava para o meu carrinho que não é assim tão moderno, acho que nunca viu um Bugaboo que custa 500 libras e parece saído de um filme de ficção científica. Após esta tentativa de "não insultar", começa uma tirada contra mães adolescentes que são irresponsáveis e não deviam tomar conta de crianças (será que quase com 40 anos tenho cara de jovem borbulhenta que ficou grávida por acidente?)
Hoje fui ao pub que não serve "fast food". O dono não ficou nada contente e disse para a mulher na cozinha "parece que temos um pedido de almoço, tens que ir à loja comprar os ingredientes". Assim uma sandes de atum demorou uma hora e meia e nem sequer se desculparam com o "está a sair" que dizem nos cafés e restaurantes em Portugal. A culpa da demora é do cliente por ousar querer almoçar.

Monday 10 August 2009

Serões da Província (Inglesa)

Agosto 2009

Roubei este título a Júlio Dinis que publicou em 1870 uma colectânea de contos e novelas sobre a vida campestre. Após quase 15 anos a viver na capital britânica, mudei-me para o pitoresco condado de Oxfordshire. Nunca vivi em terras pequenas, mas apenas em grandes cidades começadas pela letra L (Lisboa, Londres e Lyon) e encontro-me agora numa aldeola endinheirada conservadora e tradicional. Observações iniciais permitiram-me apurar que quase toda a gente anda de "jeep" e tem mais do que um cão. Senhoras louras em opulentas galochas e casacos "barbour" passeiam grupos de cães e cãezinhos quando não estão a fazer jardinagem. A primeira grande surpresa em relação a Londres é que as pessoas cumprimentam-se na rua. Além de "bom dia" e "boa tarde" tendem a fazer conversa e perguntas, sem dúvida para descobrirem quem somos e o que fazemos aqui.
Um estudo cuidadoso da publicação mensal da aldeia levou-me a constatar os seguintes factos:
1-Os sinos da igreja estão a causar controvérsia devido às badaladas de hora a hora à noite que levaram a queixas agora a serem debatidas na comissão para os assuntos locais.
2-A tal comissão anda a investigar "graffitti" que apareceu na paragem de autocarro criando indignação.
3-Não só o vandalismo preocupa os residentes este mês. Também o furto de combustível de tractores constitui uma ameaça ao nosso idílio campestre.
Existem dois pubs na aldeia, um dos quais anuncia na ementa que não serve "fast food". Isto significa que um almoço leve demora três horas....mas vale a pena.
Temos a sorte de ter uma loja, correios e camionetas, o que é raro na nova paisagem rural inglesa, em que aldeias e vilas preservam or recriam o campo dos romances da Jane Austen (com carros, claro). As casas de pedra amarelada, algumas com telhado de colmo têm janelas e portadas do século XIX, decoradas com vasos de flores de uma perfeição estonteante. Ao passear pela aldeia deserta, espero a qualquer momento ver a Miss Marple aparecer para resolver um mistério ou uma carruagem a passar com a Judi Dench com uma touca na cabeça e saias até aos pés e repressivas camisas abototoadas até cima.
Descobri que a escritora Iris Murdoch (cujo papel num filme biográfico foi desempenhado pela Judi Dench) viveu aqui, depois de ter estudado em Oxford.
Oxford é agora a minha cidade, onde terei que ir em busca de cafés e livrarias e outras necessidades enquanto retrato os dias e serões provincianos.

Thursday 18 June 2009

Não me desactivem

Antes que os poderes misteriosos da internet me desactivem este blog deixo aqui um artigo muito polémico e de grande interesse para mim, que isto dos blogs é uma coisa muito pessoal. Tem alguns argumentos válidos e controversos...supeito que estes temas vão aqui aparecer muito neste blog no futuro.

http://www.theatlantic.com/doc/200904/case-against-breastfeeding

Friday 3 April 2009

Livros de improvável sucesso

A minha última incursão no território dos observadores de tendências, que aplicam e misturam princípios da economia/estatística/psicologia/filofofia aos mais variados campos da actividade humana é o fabuloso "Black Swan", de Nassim Nicholas Taleb.
Partimos do princípio que todos os cisnes são brancos até aparecer um cisne negro (descoberto pela primeira vez na Austrália no século XVII), ou seja um evento imprevisível de alto impacto com um papel dominante ao longo da história.
A maneira como estamos programados para ver apenas cisnes brancos, construir padrões e interpretações e ignorar o que sai da norma faz com que tenhamos tendência para ignorar os "cisnes negros". Exemplos deste tipo de evento são a propagação da internet, a I guerra Mundial, e o 11 de Setembro, além da maior parte das recessões económicas como a Grande Depressão.
Esta é uma obra de filosofia com um forte teor empiricista e céptico que desafia os trâmites do pensamento convencional. Para Taleb as previsões económicas são tão fiáveis como as previsões astrológicas. Apesar de não podermos prever os cisnes negros podemos tentar ver o seu lado positivo e tentar treinar a mente para admitir a existência do acaso, do imprevisível, do desconhecido.

Outros livros recomendados neste molde:

Blink, Malcom Gladwell

The tipping point, Malcom Gladwell

Outliers, Malcom Gladwell
(http://www.gladwell.com/)

Freakonomics, Steven D. Levitt e Stephen J. Dubner ( http://freakonomics.blogs.nytimes.com/)

Wednesday 18 March 2009

"Middle England"

Estou a ler "Adventures on the high teas-In search of middle England", de Stuart Maconie, autor do "Pies and prejudice" (sobre o Norte de Inglaterra).
No estilo de Bill Bryson, trata-se de um livro de viagens e comentário social humorístico. "Middle England", mais do que um local fisíco é um estado de espírito, uma paisagem social e moral assim como o é a "França profunda". Maconie andou em busca desta alma mítica do país que tanto podem ser os leitores xenófobos e retrógados do tablóide Daily Mail, como nostálgico que gostam de cerveja morna num pub rural e de ler a Jane Austen.
O Daily Mail é agora o segundo jornal mais vendido no Reino Unido a seguir ao Sun. A sua ideologia é patriótica, contra a União Europeia, contra o estado e a cultura dos subsídios, pelo sector privado, mais interessada no castigo, do que nas causas do crime, pelos valores familiares tradicionais.
Segundo o "New Statesman", a "Middle England" está instrinsicamente ligada à classe média conservadora e resistente a tudo o que é moderno ou diferente.
A viagem de Maconie começa no centro de Inglaterra, na zona de Warwickshire, Oxforshire e Cotswolds. Aqui na "Middle England" tudo é turístico, casinhas com telhados de colmo que parecem feitas de biscoito para atrair Hansel e Gretel, pessoas que se vestem com roupas Barbour e Burberry, que passeiam cães e defendem o desporto da caça à raposa (tornado ilegal pelo governo de Tony Blair). Daqui Maconie visita termas como Turnbridge Wells e outras terras, observando o que comem, como se divertem e comportam os nativos. É um retrato simpático do que se passa nos subúrbios, a nova geografia cultural da Inglaterra, e a revolução culinária que viu os "gastropubs" substituirem o "fish and chips".

Tuesday 10 March 2009

Escritores canibais

Tem sido dito que os escritores são vampiros ou canibais que tudo observam para alimentar a sua narrativa, o seu desejo de sangue ou carne para encher páginas com histórias e emoções dos outros, muitas vezes de pessoas próximas e amadas que podem não gostar de se ver usadas, retalhadas ou até re-imaginadas e fundidas com outras personagens para disfarçar identidades.
No caso de biografias e livros de memórias também tem sido notado, que o melhor tema são os mortos, já que estes não se podem queixar da maneira como foram retratados. E que dizer dos vivos? A quem pertence a sua história?
É isto que está em discussão na enorme controvérsia em torno do último livro de Julie Myerson. A senhora não era muito conhecida, mas tem tido agora mais publicidade do que nunca, após ter escrito sobre a sua vida familar e os graves problemas com o filho adolescente, Jake, que tem agora 20 anos. A publicação do livro esta semana ocorre dois meses antes da data prevista, para capitalizar na publicidade, já que tanto a autora como o filho têm dado inúmeras entrevistas aos meios de comunicação social.
O livro chama-se "The Lost Child" e conta como Julie e o marido decidiram pôr o filho fora de casa e cortar relações, dado o seu comportamento impossível e uso de cannabis. Jake argumenta que os pais nada percebem de drogas e estão a fazer uma tempestade num copo de água, rejeitando-o e deixando-o sozinho aos 17 anos sem casa e sem apoio e que além disso ele nunca deu autorização para que a história fosse publicada.
A escritora tem aparecido na televisão e explorado o caso ao máximo para expôr a sua defesa. Que o tipo de cannabis fumada pelo filho é uma versão forte e adulterada, que o tornou violento e irrazoável, que ele era uma péssima influência nos irmãos mais novos, que ele tinha concordado com a publicação do livro, que ela sofre com a decisão todos os dias.
Será que os escritores têm uma compulsão para escrever, que transcende valores e lealdades? Será que os filhos, os maridos, as mulheres, os pais dos escritores têm direito à privacidade?
A colunista do Sunday Times Minette Marrin defende que escrever implica trair, principalmente no caso de relações amorosas e familiares. Para Marrin, a escritora no centro desta polémica traiu a intimidade da relação dela com o filho, e falhou na responsabilidade de mãe ao expôr o filho em vez de o proteger. A sua ambição, que ela disfarça como a necessidade de avisar outros pais para o perigo dos charros foi para ela mais importante. É curioso que a própria Julie Myerson tenha ela tido uma zanga com o pai quando adolescente, com quem nunca mais falou e que o pai se tenha suicidado quando ela tinha 31 anos. Será que existe algo de patológico na repetição deste padrão?

Monday 16 February 2009

Coitado do Alfie

A Grã-Bretanha está consternada com a notícia de que uma criança, Alfie Patten (13 anos) se tornou pai de uma bébé. A mãe, Chantelle tem agora 15 anos, mas ambos tinham, 12 e 14 respectivamente, quando a gravidez ocorreu. Os tablóides adoram a história, porque lhes permite escarafunchar na miséria material e espiritual que é a vida dos protagonistas, ao mesmo tempo que se indignam com as sérias "questões morais" que o caso levanta.
Talvez se não publicassem constantes fotografias de mulheres nuas, objectificando-as e transformassem as vivências sexuais numa coisa sórdida e sinistra, fosse possível que os jovens desenvolvessem uma atitude saudável perante o sexo.
Os outros jornais vão atrás e reflectem sobre a fotografia do pobre Alfie, que parece ter 8 anos e é minúsculo e sobre o facto do Reino Unido ter a taxa de mães adolescentes mais elevada da Europa. Porque será? Vários comentadores falam de uma "sociedade em colapso", da falta de valores morais e daquilo que que eu já falei aqui neste blog, a "sobre-sexualização" generalizada.
Para mim esta não é uma questão moral. É verdade que a sexualização das crianças começa mais cedo do que devia, que há uma exposição permanente não ao que é sequer erótico, mas pornográfico e que a educação sexual é mais do que inadequada. A imaturidade perante a sexualidade, motivo de risinhos, nojos e curiosidade está bem presente na cultura adulta, não é preciso olhar para os adolescentes.
Este caso aponta para outras duas grandes falhas que são demasiado controversas para serem consideradas.
Deixando de parte a retótica moralista, talvez seja mais construtivo falar das famílias de Alfie e Chantelle, que sobrevivem com subsídios estatais e inscrevem-se num padrão de gravidezes jovens e de muitos filhos com parceiros diferentes, parte de um grupo a que alguns chamaram uma "sub-classe". O país teve que se confrontar com a sua existência com o caso do bébé morto por maus tratos no Verão passado e a mulher que simulou o rapto da filha para angariar donativos do público. A imprensa indigna-se e fomenta estes tristes contos, ao pagar avultadas somas pelas confissões, pelo que completamente distorce a realidade. Alfie tem já o seu responsável pela publicidade e relações públicas para ganhar o máximo de dinheiro com a sua paternidade tão precoce.
Mas não vale a pena a classe média sentir-se superior e querer moralizar. É preciso perguntar porque é que tantos adolescentes querem ou não se importam de ter filhos tão cedo. Não é porque são imorais, mas porque não têm quaisquer aspirações e vivem num meio sem instrução. Há um ciclo vicioso, em que uma criança da classe trabalhadora raramente pode ascender, estudar e melhorar o nível de vida. A mobilidade social é muito baixa, a educação não é valorizada e incentivada pelas famílias e pelo meio que a criança frequenta. É óbvio que Alfie e Chantelle não têm intenções de acabar o liceu, quanto mais tirar um curso universitário. Não só remam contra a maré, como não teriam dinheiro para pagar a universidade. A classe média pode dar-se ao luxo de pagar ou contraír dívidas, já que um "canudo" custa em média entre 15 000 a 20 000 libras (isto inclui propinas e custo de vida, mas um curso de medicina, por exemplo pode chegar aos 15 000 só em propinas)
E depois há outra vertente que os comentadores têm medo de mencionar. Onde estão os profissionais de saúde e os serviços sociais? Os últimos, sabemos que estão escondidos após uma série de negligências face a maus tratos a crianças, que não podem sob pretexto nenhum ser tiradas do cuidado dos pais biológicos, porque naõ é "natural", mesmo que estes os matem.
O seu sucesso é medido pelo número de menores que são mantidos com pais agressivos, com problemas mentais ou de dependências do alcóol ou droga.
Quanto ao sistema de saúde, há o pânico de fazer juízos de valor (do mesmo padecem os serviços sociais). Nunca ninguém questiona o inquestionável: Será que existe aqui uma escolha a fazer? será que certas pessoas deviam ser desaconselhadas a terem filhos ou deviam deixar de poder tomar conta deles? Será que o facto de que tantos adolescentes engravidarem mostra irresponsabilidade, inclusive face a doenças sexualmente transmissíveis?
Que vida vão ter Alfie, Chantelle e a bébé Maisie? Enquanto o sistema não mudar é muito provável que A Maisie vá engravidar aos 13 ou 14 e viver no limiar da pobreza e vender a história ao "Sun" se se conseguir envolver em algo escandaloso o suficiente. Nenhum deles tem culpa, talvez os pais deles a tenham, principalmente se querem capitalizar à custa disto, mas mesmo assim, sem instrução e aspirações como podem eles inculcar estes valores nos filhos?

Tuesday 10 February 2009

A biblio-geografia



Inventei esta ideia da biblio-geografia para me referir ao local fisíco ou geográfico onde se lê um livro. Num nível básico podemos observar que há livros que se lêem apenas na cama, outros só na casa-de-banho, outros nos tranportes públicos. Fora do seu local de leitura específico, o livro perde a piada.

Antes de adormecermos, certos livros desempenham um papel muito importante, preparando-nos para os sonhos ou funcionam mesmo como potentes soporíferos. Na verdade têm uma qualidade de mesinha-de-cabeçeira , raramente deslocando-se até à sala ou escritório. Alguns destes resultam de boas intenções, sendo livros que queremos ou devemos ler, mas aos quais o sono nos rouba. Recomendo o pesado "Guerra e Paz" do Tolstoy para este efeito, com as suas longas descrições, narrativa complexa e dezenas de personagens, muitas delas com nomes extremamente parecidos, logo se emaranhando no nosso sub-consciente.

Muita gente lê na casa-de-banho, principalmente homens que ali passam horas de animada leitura. O livro ideal para esta situação é o humorístico, talvez uma compilação de colunas de jornal, de um comediante, ou algo leve e de fácil evacuação. Por exemplo contos, ficção científica ou crime. E depois há livros propícios para o banho propriamente dito (devem ter capa dura e não serem adversos à água e à espuma). Porque não John Le Carré ou histórias de espiões ou detectives?

Nos transportes públicos, em viagens, em cafés há livros que são adequados, porque podem ser interrompidos várias vezes. Nada como ler durante uma viagem, uma obra de ficção passada nesse local (a isto regressaremos mais tarde), mas numa deslocação de comboio ou metro não se deve tentar ler o "Ulisses" de James Joyce ou outra obra de semelhante envergadura. Por exemplo biografias sempre admitem mais pausas. As do Obama estão muito na moda e bem escritas o que é raro nos políticos.
Este tema é infindável e poderiamos pensar em livros de praia, livros de montanha, livros de campo e de cidade e aqui entramos na geografia do ler "in loco".

Tuesday 3 February 2009

Rupert Brooke


Ou é impressão minha ou o poeta inglês Rupert Brooke está agora imenso na moda. Não sei se é por ser bastante agradável à vista ou por fazer parte de um grupo boémio e intelectual com grande influência no início do século a que também pertenciam os escritors E M Forster e Virginia Woolf. Ou ainda por ter morrido novo durante a I Guerra Mundia, de doença e não em combate.
O poeta irlandês, Willam Yeats descreveu-o como "o homem mais atraente de Inglaterra".
De qualquer modo, Rupert Brooke (1887-1915) ficou conhecido como um poeta patriota que escreveu sobre a guerra. Faz parte da colectânea "War Sonnets", "The Soldier"
The Soldier

If I should die, think only this of me:
That there's some corner of a foreign field
That is for ever England.
There shall beIn that rich earth a richer dust concealed;
A dust whom England bore, shaped, made aware,
Gave, once, her flowers to love, her ways to roam,
A body of England's, breathing English air,
Washed by the rivers, blest by suns of home.
And think, this heart, all evil shed away,
A pulse in the eternal mind, no less
Gives somewhere back the thoughts by England given;
Her sights and sounds;
dreams happy as her day;
And laughter, learnt of friends; and gentleness,
In hearts at peace, under an English heaven

Friday 30 January 2009

Uma salada divinal

Ottolenghi é um café/restautrante/padaria/loja "gourmet" que começou um Islington, Norte de Londres e agora é uma cadeia. Ottolenghi é judeu e o parceiro na cozinha, palestiniano. As influências são mediterrânicas e do Médio Oriente e os preços são exorbitantes. Mas há um livro de receitas já publicado e aqui replico uma das receitas a que adicionei chili e sumo de laranja (nunca fui capaz de seguir religiosamente uma única receita)

Ingredientes

200 gr Feijão verde
200 gr Mangetouts (tipo de feijão verde)
70 gr avelãs
1 alho
1 dedo de chili fresco
3 colheres de óleo de avelã, noz ou azeite
1 laranja
cebolinho

Método

Ferve-se os feijoões verdes durante quatro minutos e os mangetouts durante um minuto em panelas separadas, junta-se e passa-se por água fria.
Assa-se as avelãs no forno durante cinco minutos, até tostadas e esmaga-se
Pica-se o alho, o cebolinho e o chili
Rala-se casca de laranja e espreme-se metade da laranja
Misturam-se os ingredientes e tempera-se com o óleo ou azeite e o sumo de laranja
Esta salada pode ser servida como acompanhmento de peixe...

Wednesday 28 January 2009

5 Livros sobre Jornalismo

1-Scoop, Evelyn Waugh
Este romance é uma divertida crítica ao sensacionalismo de Fleet Street e ao mundo dos correspondentes estrangeiros no dealbar da II Guerra Mundial. Escrito em 1938, tem tons racistas e colonialistas nada politicamente correctos, mas a classe política e a aristocracia também não escapam ao estilo trocista de Waugh. Foi como correspondente, que o autor foi enviado pelo Daily Mail à Abissínia para cobrir a invasão das tropas de Mussolini- É nesta experiência que se baseou para escrever "Scoop". Aqui, o protagonista, William Boot, tímido e naive autor de coluna sobre natureza num jornal é enviado por engano para África, para fazer reportagens sobre o conflito iminente na fictícia Ishmaelia. Apesar de nunca ter saído de Inglaterra e preferir a vida bucólica, o protagonista consegue acidentalmente o "Scoop", ou "cacha". A lógica dos jornais, jornalistas, a maneira como se comportam e competem uns com os outros, é dissecada com efeitos cómicos. Evelyn Waugh é mais conhecido pela obra "Brideshead Revisited", de 1945.

2-The Journalist and the Murderer, Janet Malcolm
Este livro, publicado em 1990 é um fascinante ensaio sobre ética. A teoria de Malcom é de que "qualquer jornalista que não é demasiado estúpido ou convencido, sabe que o trabalho que faz é moralmente indefensível". Isto porque os jornalistas traem constantemente os "sujeitos" das reportagens, aproveitando-se da sua vaidade, ignorância ou solidão para aceder a informações.
A suposta "traição" é justificada com a liberdade de expressão, do direito das pessoas saberem a "verdade", da necessidade de ganhar a vida. A profissão de jornalista é despojada de roupagens morais e exposta através de um caso real. Um jornalista que se torna amigo de um homem acusado de ter morto a mulher e os filhos para depois o atraiçoar. Malcom acha que mesmo um assassino não merece ser enganado e levanta sérias questões sobre as responsabilidades dos repórteres face às pessoas que usam e entrevistam e face ao público

3-Hidden Agendas, John Pilger
O mais substancial e interessante ataque aos meios de comunicação social como cúmplices de governos tirânicos. Pilger não é apenas um correspondente de guerra, mas um activista e anticapitalista. O jornalista australiano tornou-se um cruzado pelos direitos dos povos oprimidos e esquecidos, um herói da esquerda, tendo ficado conhecido pelas suas reportagens em Timor Leste desde os anos 70, chamando a atenção para um país invisível nos notíciários e expondo as ligações e inércia dos governos ocidentais face à Indonésia. "Hidden agendas" analisa vários casos, como o da Birmânia, a manipulação da informação na guerra do Golfo, a tirania de Israel, as injustiças da África do Sul na época do apartheid e a história vergonhosa da Austrália no tratamento da população aborígene. Pilger não acredita que o jornalista deva ser imparcial ou objectivo, mas que é sua obrigação ter uma consciência social e tomar partido a favor da posição correcta e moral.
"a verdade é sempre subversiva, se assim não fosse, porque é que os governos usariam tantos esforços em suprimi-la?"

4-Travels with Myself and Another, Martha Gellhorn
A jornalista e escritora americana Martha Gellhorn relata aqui as suas aventuras na China, Caraíbas, África, Israel e Rússia ao longo da sua carreira. É uma biografia, livro de viagens e conjunto de reportagens. "As suas piores viagens", como as descreveu.
Martha Gellhorn nasceu em 1908 no seio da classe média alta, mas cedo se interessou por escrever sobre a vida dos trabalhadores e dos que estavam à margem da sociedade no seu país, tendo escrito sobre a miséria na época da Grande Depressão.
Martha foi uma das primeiras mulheres correspondentes de guerra, tendo coberto a maioria dos grandes conflitos do século XX.
De 1940 a 1945 foi casada com o escritor Ernest Hemingway, com quem partilhava a ideologia e a maneira de estar na vida.

5-True Story: Murder, Memoir, Mea Culpa, Michael Finkel
Finkel conta a história fascinante de como foi despedido do New York por ter inventado parte de uma reportagem sobre as plantações de cacau na Costa do Marfim. Jornalista de topo num dos jornais mais prestigiosos do mundo, a sua reputação e carreira ficaram seriamente afectadas. O que é interessante é como ele explica o processo e as pressões e expectativas que o fizeram criar uma pessoa que teria entrevistado, mas que na realidade não existia. Antes de publicar a história, Finkel falou com o editor que basicamente lhe comunicou qual era a reportagem que queria, pelo que o jrnalista embelezou ou deturpou a verdade para produzir o que lhe era pedido. Caído em desgraça, o autor viu-se outra vez nas notícias quando um assassino, fugitivo do FBI usou o seu nome e identidade, o que o levou a investigar o caso. Este é um estudo sobre a fronteira entre a verdade e a mentira, a ambiguidade moral e a tentativa de reabilitação de um jornalista.

Monday 26 January 2009

Viva a Kim Novak


Ontem vi pela segunda vez "Bell, Book and Candle" (1958) com a magnífica Kim Novak e James Stewart, reunidos no écran após aquele que é o meu filme preferido "Vertigo", de Hitchcock.
É uma comédia romântica em que Kim faz o papel de uma bruxa que se apaixona por um mortal. Muito poderia ser dito sobre as razões porque este par é tão fascinante, ele covencional e sério, ela excêntrica e misteriosa. Kim nunca escolheu papéis normais ou ligeiros, preferindo encarnar mulheres complexas e destabilizadas. Mas o mais interessante é quando vemos Kim e outras estrelas de cinema dos anos 50 e 60 e observamos como os seus corpos diferem dos das actrizes e modelos de hoje. A diferença é notável dos anos 80 e 90 para cá.
Há três décadas, a piscoterapeuta britânica, Susie Orbach identificou a gordura ou a obsessão com a gordura como uma questão feminista no livro "Fat is a feminist issue". A desigualdade entre os sexos seria a causa da ingestão compulsiva de alimentos e o facto das mulheres engordarem: para serem levadas a sério e tratadas sem frivolidades. Orbach identifica a raiz da maioria dos problemas de peso das mulheres na relação delas com as mães e destas com a comida.
Esta teoria, avançada em 1978, é extremamente datada e centra-se na ideia de que as mulheres querem se apagar como objectos de desejo sexual ao engordarem, à medida que continuam a fazer dietas ineficazes.
Na sua última obra, Orbach argumenta que as desordens alimentares e o sofrimento por causa da auto-imagem corporal não estão limitados a uma pequeno grupo, mas tornaram-se a regra geral. Vivemos numa sociedade obesa em que prevalecem as dietas e em que somos bombardeados com imagens de corpos considerados prefeitos, mas que no fundo são esqueléticos, emaciados e assexuados. Esse tornou-se o ideal de beleza no século XXI.
Ná época do pós-guerra, as mulheres podiam e deviam ter curvas, um sinal de saúde e prosperidade. Orbach nota que o corpo é agora um "projecto", sendo as pessoas responsáveis desde tenra idade em cultiva-lo para a magreza-beleza, recorrendo a qualquer meio, inclusive a cirurgia plástica.
O que tem isto a ver com Kim Novak? Tanto ela, como Ava Gardner, como a própria Marylin Monroe seriam postas em dietas hoje em dia pelos estúdios de Holywood. É de notar que Audrey Hepburn, considerada demasiado magra na altura esteja tanto na moda. Eu prefiro a Kim Novak.

Monday 19 January 2009

A un Gato, Jorge Luis Borges




No son más silenciosos los espejos

ni más furtiva el alba aventurera;

eres, bajo la luna, esa pantera que nos es dado divisar de lejos.

Por obra indescifrable de un decreto divino,

te buscamos vanamente;

más remoto que el Ganges y el poniente, tuya es la soledad, tuyo el secreto.

Tu lomo condesciende a la morosa caricia de mi mano.

Has admitido, desde esa eternidad que ya es olvido, el amor de la mano recelosa.

En otro tiempo estás.

Eres el dueño de un ámbito cerrado como un sueño.

Diaristas do século XVII-Samuel Pepys

Samuel Pepys, deputado e funcionário público documentou o reinado de Carlos II e Catarina de Bragança em diários que manteve de 1659 a 1669.

Os diários foram escritos do prisma pessoal do autor, em estenografia (com abreviaturas e códigos), pelo que não visavam a publicação. Durante dez anos, Pepys escreveu sobre a sua vida e acontecimentos históricos como a Restauração da monarquia, a grande peste de Londres, o grande incêndio de Londres, as guerras anglo-holandesas.

O diarista gostava de vinho e de ir ao teatro, descrevendo o ambiente dos teatros, reabertos por Carlos II, após o período terem sido encerrados pela república puritana de Cromwell. Os seis casos amorosos extra-matrimoniais foram descritos em detalhe e com nomes disfarçados, não fosse a mulher, Elizabeth ler o diário.

Nascido em Londres em 1633, Samuel Pepys frequentou a universidade de Cambridge, adquirindo conhecimentos de matemática e ciências, bem como uma fomação artística e musical.

Nos diários, Pepys refere-se diversas vezes a Catarina de Bragança, desde o relato da sua chegada a mexericos da corte. As primeiras impressões foram as seguintes: " pode lhe faltar charme, mas parece ter um ar bom, modesto e inocente".

O abandono, as humilhações e a tristeza da rainha portuguesa na corte libertina com Carlos II e as suas amantes são também relatadas. O seu desejo de produzir um herdeiro e a sua infertilidade são de igual modo motivo de comentário, assim como a sua visita às termas de Turnbridge Wells, na busca fútil de uma cura.

Como Catarina de Bragança, Samuel Pepys foi vítima da chamada conspiração papista, em que a Rainha e outros foram acusados formalmente no parlamento de fazer parte de uma conspiração para assassinar o rei. Muitos católicos foram perseguidos e mortos.
Contudo o rei nunca acreditou nas acusações e tanto a Rainha como o diarista foram ilibados.

Thursday 15 January 2009

Maternidade-novo desporto competitivo

Um artigo de opinião publicado no Times de hoje irritou-me de tal maneira que decidi escrever aqui sobre o controverso e muito debatido tema da maternidade e o mercado de trabalho.
Tudo veio a propósito da ministra francesa da justiça, Rachida Dati que regressou ao trabalho após cinco dias depois de ter tido um bébé por cesariana. (Acho muito mais chocante que o ex-Primeiro ministro espanhol José-Maria Aznar possa ser o progenitor! )
De qualquer modo, o caso da super-ministra que apareceu magra e de saltos altos na reunião do executivo Sarkozy logo depois de ter tido o bébé inspirou uma senhora chamada Michelle Mone, que fundou e é directora duma empresa de "lingerie" a escrever o tal artigo. Michelle explica que a ministra foi obrigada a regressar ao trabalho imediatamente e que ela fez o mesmo. Porquê? porque tinha um negócio a gerir e para tal deu instruções ao marido e ao resto da família para tomarem conta da bébé. Esta interferiu com os planos do lançamento dum novo "soutien" da sua empresa e Michelle sentiu-se culpada, mas escolheu avançar com o negócio e esconder de quase toda a gente que tinha tido uma filha. A empresária dá a entender que o marido lhe deu muito apoio, embora a relação tenha sido afectada: " It affects your relationship with your husband because you have so many tasks to do that you've no time whatsoever; you don't want to be even in the same room as him."
Contudo, o mais peocupante para mim é a parte em que ela diz gerir a casa como um negócio: "My staff, the kids and my husband have key performance indicators and every Friday we get together with a flip chart and mark how the week has been."
Ou seja, a senhora está tão ocupada que nem quer ver o marido e trata a família como os empregados da empresa, com reuniões e avaliações da "performance".
Enquanto a motivação da ministra francesa e também de Sarah Palin, a candidata republicana (no escritório três dias após o parto-tempo recorde!) é a ambição politica e de avanço de carreira, a de Michelle é de ordem profisisonal, mas principalmente económica. Para ela é crucial ganhar dinheiro e que as suas crianças possam estudar em colégios privados e com um nível de vida bom.
Esta pressa em regressar ao trabalho e em retomar a carreira tem sido atacada na imprensa, tanto por conservadores tradicionalistas em defesa da família e da natureza "sagrada da maternidade" como por feministas que acham que as mulheres devem ususfruir dos direitos que conquistaram, como a licença de parto.
Para mim existem duas questões:
1-As mulheres devem ter o direito a escolher e a não serem julgadas e crucificadas (mesmo a Sarah Palin) por quererem ou terem que trabalhar, por não quererem amamentar, por terem pouco tempo para os filhos, por não se adequarem a uma imagem da "mãe e dona de casa perfeita".
2-Por outro lado, é lamentável que vivamos numa sociedade que as mulheres não podem ser mulheres e estar grávidas e ter filhos e tomar conta deles, sem terem que adoptar atitudes masculinas para serem respeitadas e ganharem credibilidade profissional. Ou seja, as características femininas têm que ser suprimidas (a própria Palin também escondeu a última gravidez durante 7 meses). As mulheres não podem ser emocionais ou chorar ou serem "hormonais". Por isso é comum mulheres em posições de poder serem extremamente rígidas e intolerantes face a outras mulheres. Uma colega gestora na minha empresa que tem uma filha disse que não gostava de contratar mulheres com crianças e que não lhes dava qualquer flexibilidade.

No Reino Unido, em que a lei estipula que a entidade empregadora tem que pagar apenas 90% do salário durante seis semanas, em que existe muito pouca flexibilidade para mães que trabalham e em que as creches custam os olhos da cara, a maternidade não é valorizada, quando muito é santificada dum modo irrealista.
O que as mulheres não percebem é que são elas que se têm que respeitar a si próprias e respeitar as escolhas das outras mulheres, sem perder de vista a construção dum sistema mais justo. Talvez assim, possamos escapar ao individualismo, egoísmo, materialismo e concorrência desenfreada dum modelo social tipicamente masculino em que o trabalho e o lucro se sobrepõem às relações familiares e à solidariedade social.
A feminista Germaine Greer disse: "se a igualdade significa o direito a partilhar os lucros da tirania económica, é incompatível com a emancipação. Liberdade num mundo que não é livre é apenas uma luz verde para a exploração".
O mesmo se pode dizer da maternidade. A utopia é que as mulheres recebam salários iguais aos homens, que ser mãe, trabalhadora ou não, seja uma actividade a que é dado o devido valor e não "masculinizada" e tornada um desporto competitivo.

http://women.timesonline.co.uk/tol/life_and_style/women/families/article5518256.ece

Wednesday 7 January 2009

Feiras no gelo e curiosidades do século XVII


Um programa recente da BBC Rádio sobre Feiras no gelo, que ocorreram no rio Tamisa em Londres entre o século XVI e XIX inspirou-me a escrever sobre os cronistas Samuel Pepys e John Evelyn que documentaram o reinado de Carlos II e Catarina de Bragança no século XVII. O país atravessava a chamada “Mini-Idade do Gelo” e 1683-84 foi um ano particularmente frio em que Tamisa congelou. John Evelyn descreve assim a feira:
“Carruagens deslocaram-se de Westminster a Temple como se andassem na rua, viam-se trenós, jogos em que buldogues atacam um touro, corridas de cavalos, fantoches, bancadas de comida, pessoas bêbadas, o que parecia um triunfo bacanal ou um carnaval sobre a àgua”.
Os diaristas surgem no século XVII e tanto Evelyn como Pepys são essenciais para compreender como viviam as pessoas na época da Restauração. Após ter vivido em França e Itália, no exílio durante a República de Cromwell, John Evelyn regressa a Inglaterra em 1652 e instala-se na casa da família da mulher em Deptford no sul de Londres (não longe da minha própria residência modesta e vitoriana).
Interessado em jardins, horticultura, ciência, tecnologia, cultura, era versátil, estudioso e curioso por natureza, tornando-se membro fundador da “Royal Society” e presença regular na corte, pago por Carlos II para escrever e fazer relatórios sobre assuntos de ordem pública. Assim como Pepys era um bibiófilo, cuja biblioteca continha 3,859 e 822 panfletos quando morreu em 1706.

(continua)