Wednesday 18 March 2009

"Middle England"

Estou a ler "Adventures on the high teas-In search of middle England", de Stuart Maconie, autor do "Pies and prejudice" (sobre o Norte de Inglaterra).
No estilo de Bill Bryson, trata-se de um livro de viagens e comentário social humorístico. "Middle England", mais do que um local fisíco é um estado de espírito, uma paisagem social e moral assim como o é a "França profunda". Maconie andou em busca desta alma mítica do país que tanto podem ser os leitores xenófobos e retrógados do tablóide Daily Mail, como nostálgico que gostam de cerveja morna num pub rural e de ler a Jane Austen.
O Daily Mail é agora o segundo jornal mais vendido no Reino Unido a seguir ao Sun. A sua ideologia é patriótica, contra a União Europeia, contra o estado e a cultura dos subsídios, pelo sector privado, mais interessada no castigo, do que nas causas do crime, pelos valores familiares tradicionais.
Segundo o "New Statesman", a "Middle England" está instrinsicamente ligada à classe média conservadora e resistente a tudo o que é moderno ou diferente.
A viagem de Maconie começa no centro de Inglaterra, na zona de Warwickshire, Oxforshire e Cotswolds. Aqui na "Middle England" tudo é turístico, casinhas com telhados de colmo que parecem feitas de biscoito para atrair Hansel e Gretel, pessoas que se vestem com roupas Barbour e Burberry, que passeiam cães e defendem o desporto da caça à raposa (tornado ilegal pelo governo de Tony Blair). Daqui Maconie visita termas como Turnbridge Wells e outras terras, observando o que comem, como se divertem e comportam os nativos. É um retrato simpático do que se passa nos subúrbios, a nova geografia cultural da Inglaterra, e a revolução culinária que viu os "gastropubs" substituirem o "fish and chips".

Tuesday 10 March 2009

Escritores canibais

Tem sido dito que os escritores são vampiros ou canibais que tudo observam para alimentar a sua narrativa, o seu desejo de sangue ou carne para encher páginas com histórias e emoções dos outros, muitas vezes de pessoas próximas e amadas que podem não gostar de se ver usadas, retalhadas ou até re-imaginadas e fundidas com outras personagens para disfarçar identidades.
No caso de biografias e livros de memórias também tem sido notado, que o melhor tema são os mortos, já que estes não se podem queixar da maneira como foram retratados. E que dizer dos vivos? A quem pertence a sua história?
É isto que está em discussão na enorme controvérsia em torno do último livro de Julie Myerson. A senhora não era muito conhecida, mas tem tido agora mais publicidade do que nunca, após ter escrito sobre a sua vida familar e os graves problemas com o filho adolescente, Jake, que tem agora 20 anos. A publicação do livro esta semana ocorre dois meses antes da data prevista, para capitalizar na publicidade, já que tanto a autora como o filho têm dado inúmeras entrevistas aos meios de comunicação social.
O livro chama-se "The Lost Child" e conta como Julie e o marido decidiram pôr o filho fora de casa e cortar relações, dado o seu comportamento impossível e uso de cannabis. Jake argumenta que os pais nada percebem de drogas e estão a fazer uma tempestade num copo de água, rejeitando-o e deixando-o sozinho aos 17 anos sem casa e sem apoio e que além disso ele nunca deu autorização para que a história fosse publicada.
A escritora tem aparecido na televisão e explorado o caso ao máximo para expôr a sua defesa. Que o tipo de cannabis fumada pelo filho é uma versão forte e adulterada, que o tornou violento e irrazoável, que ele era uma péssima influência nos irmãos mais novos, que ele tinha concordado com a publicação do livro, que ela sofre com a decisão todos os dias.
Será que os escritores têm uma compulsão para escrever, que transcende valores e lealdades? Será que os filhos, os maridos, as mulheres, os pais dos escritores têm direito à privacidade?
A colunista do Sunday Times Minette Marrin defende que escrever implica trair, principalmente no caso de relações amorosas e familiares. Para Marrin, a escritora no centro desta polémica traiu a intimidade da relação dela com o filho, e falhou na responsabilidade de mãe ao expôr o filho em vez de o proteger. A sua ambição, que ela disfarça como a necessidade de avisar outros pais para o perigo dos charros foi para ela mais importante. É curioso que a própria Julie Myerson tenha ela tido uma zanga com o pai quando adolescente, com quem nunca mais falou e que o pai se tenha suicidado quando ela tinha 31 anos. Será que existe algo de patológico na repetição deste padrão?