Monday 16 February 2009

Coitado do Alfie

A Grã-Bretanha está consternada com a notícia de que uma criança, Alfie Patten (13 anos) se tornou pai de uma bébé. A mãe, Chantelle tem agora 15 anos, mas ambos tinham, 12 e 14 respectivamente, quando a gravidez ocorreu. Os tablóides adoram a história, porque lhes permite escarafunchar na miséria material e espiritual que é a vida dos protagonistas, ao mesmo tempo que se indignam com as sérias "questões morais" que o caso levanta.
Talvez se não publicassem constantes fotografias de mulheres nuas, objectificando-as e transformassem as vivências sexuais numa coisa sórdida e sinistra, fosse possível que os jovens desenvolvessem uma atitude saudável perante o sexo.
Os outros jornais vão atrás e reflectem sobre a fotografia do pobre Alfie, que parece ter 8 anos e é minúsculo e sobre o facto do Reino Unido ter a taxa de mães adolescentes mais elevada da Europa. Porque será? Vários comentadores falam de uma "sociedade em colapso", da falta de valores morais e daquilo que que eu já falei aqui neste blog, a "sobre-sexualização" generalizada.
Para mim esta não é uma questão moral. É verdade que a sexualização das crianças começa mais cedo do que devia, que há uma exposição permanente não ao que é sequer erótico, mas pornográfico e que a educação sexual é mais do que inadequada. A imaturidade perante a sexualidade, motivo de risinhos, nojos e curiosidade está bem presente na cultura adulta, não é preciso olhar para os adolescentes.
Este caso aponta para outras duas grandes falhas que são demasiado controversas para serem consideradas.
Deixando de parte a retótica moralista, talvez seja mais construtivo falar das famílias de Alfie e Chantelle, que sobrevivem com subsídios estatais e inscrevem-se num padrão de gravidezes jovens e de muitos filhos com parceiros diferentes, parte de um grupo a que alguns chamaram uma "sub-classe". O país teve que se confrontar com a sua existência com o caso do bébé morto por maus tratos no Verão passado e a mulher que simulou o rapto da filha para angariar donativos do público. A imprensa indigna-se e fomenta estes tristes contos, ao pagar avultadas somas pelas confissões, pelo que completamente distorce a realidade. Alfie tem já o seu responsável pela publicidade e relações públicas para ganhar o máximo de dinheiro com a sua paternidade tão precoce.
Mas não vale a pena a classe média sentir-se superior e querer moralizar. É preciso perguntar porque é que tantos adolescentes querem ou não se importam de ter filhos tão cedo. Não é porque são imorais, mas porque não têm quaisquer aspirações e vivem num meio sem instrução. Há um ciclo vicioso, em que uma criança da classe trabalhadora raramente pode ascender, estudar e melhorar o nível de vida. A mobilidade social é muito baixa, a educação não é valorizada e incentivada pelas famílias e pelo meio que a criança frequenta. É óbvio que Alfie e Chantelle não têm intenções de acabar o liceu, quanto mais tirar um curso universitário. Não só remam contra a maré, como não teriam dinheiro para pagar a universidade. A classe média pode dar-se ao luxo de pagar ou contraír dívidas, já que um "canudo" custa em média entre 15 000 a 20 000 libras (isto inclui propinas e custo de vida, mas um curso de medicina, por exemplo pode chegar aos 15 000 só em propinas)
E depois há outra vertente que os comentadores têm medo de mencionar. Onde estão os profissionais de saúde e os serviços sociais? Os últimos, sabemos que estão escondidos após uma série de negligências face a maus tratos a crianças, que não podem sob pretexto nenhum ser tiradas do cuidado dos pais biológicos, porque naõ é "natural", mesmo que estes os matem.
O seu sucesso é medido pelo número de menores que são mantidos com pais agressivos, com problemas mentais ou de dependências do alcóol ou droga.
Quanto ao sistema de saúde, há o pânico de fazer juízos de valor (do mesmo padecem os serviços sociais). Nunca ninguém questiona o inquestionável: Será que existe aqui uma escolha a fazer? será que certas pessoas deviam ser desaconselhadas a terem filhos ou deviam deixar de poder tomar conta deles? Será que o facto de que tantos adolescentes engravidarem mostra irresponsabilidade, inclusive face a doenças sexualmente transmissíveis?
Que vida vão ter Alfie, Chantelle e a bébé Maisie? Enquanto o sistema não mudar é muito provável que A Maisie vá engravidar aos 13 ou 14 e viver no limiar da pobreza e vender a história ao "Sun" se se conseguir envolver em algo escandaloso o suficiente. Nenhum deles tem culpa, talvez os pais deles a tenham, principalmente se querem capitalizar à custa disto, mas mesmo assim, sem instrução e aspirações como podem eles inculcar estes valores nos filhos?

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