Wednesday 12 August 2009

Serões da Província-Encontros do terceiro grau

Como já referi as pessoas no campo gostam de meter conversa na rua. Ontem um senhor saiu de uma casa quando me viu na paragem do autocarro para me "ajudar" com indicações, embora tenha confessado não ter apanhado a camioneta nos últimos 50 anos. Ao pensar que os bilhetes custam ainda 20 pence ofereceu-se para me dar trocos (será que tenho cara de alguém que anda a pedir trocos?) com medo que o condutor não quisesse trocar uma libra. Na verdade o bilhete custava 2 libras.
Na aldeia vizinha fui ao centro de saúde e a caminho um homem, vestido à inverno e a cheirar a cerveja começou a fazer perguntas sobre o meu bébé, que adormecido não tinha desmaiado com o bafo de álcool do homem. A certa altura ele constatou que eu não era inglesa, começando depois a perguntar se eu era casada e se o meu marido era inglês. Vira-se então para mim e diz "não quero insultá-la mas sabe que há muitas mulheres estrangeiras que vêem para aqui para casar com ingleses e comprar carrinhos de bébé topo de gama, modelos ultra caros". Olhava para o meu carrinho que não é assim tão moderno, acho que nunca viu um Bugaboo que custa 500 libras e parece saído de um filme de ficção científica. Após esta tentativa de "não insultar", começa uma tirada contra mães adolescentes que são irresponsáveis e não deviam tomar conta de crianças (será que quase com 40 anos tenho cara de jovem borbulhenta que ficou grávida por acidente?)
Hoje fui ao pub que não serve "fast food". O dono não ficou nada contente e disse para a mulher na cozinha "parece que temos um pedido de almoço, tens que ir à loja comprar os ingredientes". Assim uma sandes de atum demorou uma hora e meia e nem sequer se desculparam com o "está a sair" que dizem nos cafés e restaurantes em Portugal. A culpa da demora é do cliente por ousar querer almoçar.

Monday 10 August 2009

Serões da Província (Inglesa)

Agosto 2009

Roubei este título a Júlio Dinis que publicou em 1870 uma colectânea de contos e novelas sobre a vida campestre. Após quase 15 anos a viver na capital britânica, mudei-me para o pitoresco condado de Oxfordshire. Nunca vivi em terras pequenas, mas apenas em grandes cidades começadas pela letra L (Lisboa, Londres e Lyon) e encontro-me agora numa aldeola endinheirada conservadora e tradicional. Observações iniciais permitiram-me apurar que quase toda a gente anda de "jeep" e tem mais do que um cão. Senhoras louras em opulentas galochas e casacos "barbour" passeiam grupos de cães e cãezinhos quando não estão a fazer jardinagem. A primeira grande surpresa em relação a Londres é que as pessoas cumprimentam-se na rua. Além de "bom dia" e "boa tarde" tendem a fazer conversa e perguntas, sem dúvida para descobrirem quem somos e o que fazemos aqui.
Um estudo cuidadoso da publicação mensal da aldeia levou-me a constatar os seguintes factos:
1-Os sinos da igreja estão a causar controvérsia devido às badaladas de hora a hora à noite que levaram a queixas agora a serem debatidas na comissão para os assuntos locais.
2-A tal comissão anda a investigar "graffitti" que apareceu na paragem de autocarro criando indignação.
3-Não só o vandalismo preocupa os residentes este mês. Também o furto de combustível de tractores constitui uma ameaça ao nosso idílio campestre.
Existem dois pubs na aldeia, um dos quais anuncia na ementa que não serve "fast food". Isto significa que um almoço leve demora três horas....mas vale a pena.
Temos a sorte de ter uma loja, correios e camionetas, o que é raro na nova paisagem rural inglesa, em que aldeias e vilas preservam or recriam o campo dos romances da Jane Austen (com carros, claro). As casas de pedra amarelada, algumas com telhado de colmo têm janelas e portadas do século XIX, decoradas com vasos de flores de uma perfeição estonteante. Ao passear pela aldeia deserta, espero a qualquer momento ver a Miss Marple aparecer para resolver um mistério ou uma carruagem a passar com a Judi Dench com uma touca na cabeça e saias até aos pés e repressivas camisas abototoadas até cima.
Descobri que a escritora Iris Murdoch (cujo papel num filme biográfico foi desempenhado pela Judi Dench) viveu aqui, depois de ter estudado em Oxford.
Oxford é agora a minha cidade, onde terei que ir em busca de cafés e livrarias e outras necessidades enquanto retrato os dias e serões provincianos.