Friday 18 September 2009

Portugal: vinhaça, viola e bordoada


Acusaram-me, emigrante ausente de "não perceber Portugal". É verdade que estou fora do país há quase 15 anos, mas tive oportunidade neste verão quente de passar aqui uma boa temporada, principalmente na minha Lisboa natal, mas também na Costa alentejana, na zona de Óbidos e na sempre refrescante vila de Palmela, onde me recebem ano após ano no seio acolhedor da Pensão Riscadinha.
O Portugal socratiano está diferente, mas continua igual. Há curiosas personagens, situações e correntes de pensamento/comportamento que nada mudaram desde as observações de Eça de Queiroz que dizia que o país era governado ao acaso: a prevalência do compadrio, pomposos políticos, novos-ricos preocupados com a ascensão social e deslumbrados pelo estrangeiro, presunçosos confiantes de que galgam os corredores do poder, em suma, os Dâmasos Salcedes que povoam esta terra. Continuamos a ser o país da intrujice, dos chicos espertos, do nacional porreirismo, das cunhas, do desenrasca, da preguiça mental e moral, da burocracia kafkiana, características descritas e satirizadas por Miguel Esteves Cardoso há anos e mais recentemente por Ricardo Araújo Pereira.
Mas cresce o snobismo da direita por razões de classe e de dinheiro e da esquerda, no seu elitismo fácil datado e à deriva. Aumenta o nacionalismo xenófobo que glorifica Aljubarrota e que ainda não aceita segundas e terceiras gerações de portugueses com raízes africanas.
O pessimismo geral galopa com a crise económica e a retoma que tarda, o descontentamento com o governo actual, as eleições para escolher entre a "esquerda" possível, pragmática, mas gasta e a direita retrógada e conservadora. E nem já o futebol anima ninguém com os resultados medíocres da selecção nacional. O ambiente é de teoria da conspiração, com escutas e alegações de corrupção e de manipulação dos meios de comunicação. E a este panorama de mal-estar político, social, económico e moral junta-se o pânico da gripe com os seus efeitos avassaladores.
O que nos resta senão refugiarmo-nos nos vinhos, nos queijos e nos petiscos?
Como diria Eça "no fundo, nós somos todos fadistas: do que gostamos é de vinhaça e viola e bordoada".

1 comment:

den fremmede said...

Só tu para me fazeres rir! :-) E até fiquei com vontade de ler Eça.