Tuesday 25 November 2008

O Inverno em Londres, Eça de Queirós, Cartas de Inglaterra

"E, todavia, Deus sabe que ele não é agradável, esse Inverno de Londres! De manhã, ao acordar, tem-se diante da janela uma sonora opaca, espessa, parda, arrepiadora e sinistra: é necessário fazer a barba com o gás flamejando; almoça-se com todas as velas do candelabro acesas, e a carruagem que me conduz é precedida de um archote. Ao meio-dia esta decoração de inferno muda; a sombra perde o tom pardo e, por gradações odiosas, ganha um amarelo de oca e começa a exalar um vapor fétido. Respira-se mal, a roupa toma um pegajoso húmido sobre a pele, os edifícios que nos cercam aparecem com as linhas vagas e quiméricas das cidades malditas do Apocalipse e o estrondo de Londres, este rude, tremendo estrépito, que deve há em cima incomodar a corte do céu, adquire uma tonalidade surda e roncante como um fragor num subterrâneo.
Depois, à noite, outra mudança: toda esta sombra, este nevoeiro grosso, mole gorduroso, desfaz-se em chuva... Em chuva, digo eu? Em lama em lama mal líquida, que escorre, pinga! Vem babada de um céu negro.
O gás parece cor de sangue; como todo o mundo, para combater esta névoa gelante e mortal, bebe forte e bebe seguido, há nas ruas um vago vapor a álcool, que passa os hálitos: isto excita, irrita, impele a turba ao vício. O ruído intolerável das ruas, a pressa da multidão violenta, o rude flamejar das vitrinas dão uma aceleração brutal ao sangue, uma vibração quase dolorosa aos nervos; pensa-se com intensidade, caminha-se com ímpeto, deseja-se com furor; a besta humana inflama-se: quer-se alguma coisa de forte e de animal, a luta, o excesso, a gula, o abrasado do conhaque, a paixão. Londres numa noite de Inverno, exala violência e crime. E pode-se afirmar que em cada uma das tipóias que, aos milhares e aos milhares, passam como flechas, com relampejar rubro de lanternas, vai um cidadão ou uma cidadã cometendo ou preparando-se para cometer, com excepção da preguiça, um dos sete pecados mortais."

2 comments:

Luís Pais de Sousa said...

Gostei do texto, publiquei-o no fórum do meu jornal online a propósito do 1º de Inverno.
Gosto de livros e subscrevo a "prateleira".

Luís Pais de Sousa said...

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