Tuesday 27 November 2007

Daphne de Maurier: o espírito indomável



Festival de Literatura de Cheltenham

Os leitores mais atentos devem estar a magicar: Como pode a pobre Daphne du Maurier ter estado em Cheltenham se faleceu em 1989?
A verdade é que o festival celebra aniversários e acolhe lançamentos de biografias e estudos sobre autores do passado. Por exemplo, Arthur Conan Doyle esteve também em espírito num debate sobre o seu fascínio pelo sobrenatural, fadas e a convocação das almas, apesar de ter sido médico e supostamente racional.
A Daphne du Maurier era uma mulher mais prática e é principalmente conhecida por duas obras que foram adaptadas ao cinema por Alfred Hitchcock: "Rebecca" e "The Birds".
O evento foi apresentado por Helen Taylor, biógrafa de Daphe du Maurier que publicou "Daphne du Maurier: A companion" para assinalar o centenário do seu nascimento. Neste livro vários escritores falam da vida de Du Maurier e defendem uma obra preferida.
Vamos começar com "Rebecca", que acabei de ler há pouco tempo e que é perturbante, sombrio e sinistro, mesmo quando não acontece nada, há uma sensação de algo profundamente maligno.
Em sinopse: a protagonista (cujo nome nunca é revelado) é jovem, naive e orfã, trabalhando como "dama de companhia" de uma senhora americana que a trata como a uma criada e humilha constantemente. De férias na Rivieira francesa, a heroína conhece e apaixona-se por homem com o dobro da idade, o misterioso e "socialmente superior" Max de Winter, dono da mítica mansão de Manderley no oeste de Inglaterra. Sabendo apenas que ele era viúvo e sem qualquer experiência, a protagonista casa com ele em França. Quando chega a Mandeley começa a sentir que o marido muda de humores rapidamente, que os criados não a respeitam e que a casa está cheia de segredos, incluindo o quarto da primeira mulher, Rebecca.
De repente, Rebecca começa a dominar Mandeley, a sua presença é mantida viva pela temível governanta, Mrs Denvers que gere a casa como se Rebecca fosse a patroa. O casal começa a discutir, a protagonista vai descobrindo mais detalhes, a pouco e pouco a obsessão com Rebecca começa a crescer. É isso é que é interessante. Daphne du Maurier que ficou famosa após a publicação deste livro odiava que a considerassem uma "autora romântica", tendo afirmado que esta obra que se tornou uma espécie de presente envenenado, que que du Maurier não conseguia fugir (nenhum dos livros posteriores teve o mesmo sucesso) era "um estudo sobre o ciúme".
Há algo de profundamente feminino na relação entre as três mulheres: a protagonista, Rebecca e Mrs Denvers (até alusões a que a governanta, mais do que obcecada estava apaixonada pela electrizante Rebecca). Por outro lado há uma personagem que também tem um papel muito importante a desempenhar e que é Manderley, a casa, os jardins, a pequena praia privada, a cabana onde Rebecca costumava ir. A paisagem agreste do sudoeste inglês, inspirada pela Cornualha para onde se mudou Daphne du Maurier é central na acção narrativa.
A certa altura é descoberto o corpo de Rebecca e que a mulher enterrada não era ela. Surgem suspeitas de assassínio que recaem sobre Max de Winter, que é levado a tribunal.
O que é interessante no trabalho de Daphne de Maurier é o que fica por dizer. Tudo é insinuado e há uma constante corrente subterrânea de "suspense" que capta o leitor.
(O filme "Rebecca" de Alfred Hitchcock (1940) com Laurence Olivier e Joan Fontaine tem um fim muito mais satisfatório para as audiências do cinema e para os fãs de Olivier, apesar da atmosfera sombria).
A autobiografia da infância e juventude de Daphne du Maurier mostra a sua determinação em escrever, em fazer as suas próprias escolhas e distanciar-se da família e das expectativas face ao seu sexo e condição social. Desde nova, que Daphne preferia passar temporadas sozinha na Cornualha a passear e a andar de barco do que ir a festas e bailes em Londres. Desde cedo, uma imaginação fértil e algo macabra combinada uma enorme persistência e um talento nato tornararam-na numa das escritoras com amis sucesso e mais admiradas do século XX.

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