Thursday 13 September 2007

Unless, Carol Shields


E como tem havido muitos peticos e poucos livros, nada como falar do nosso livro preferido dos últimos anos, para lançar a parte literária do blog.

Unless, Carol Shields, 2002
É a última obra da minha escritora favorita, que nasceu nos Estados Unidos, mas viveu a maior parte da sua vida no Canadá. Morreu em 2003 com cancro da mama e escreveu 10 romances, peças de teatro, contos, crítica literária, poesia e uma biografia excepcional da Jane Austen. Unless foi o primeiro livro que li dela e a seguir tive que devorar os outros (adorei particularmente Small Cerimonies, The Box Garden, Happenstance, A Celibate Season, The Republic of Love, Larry´s party)
Em Unless, os títulos “a menos que” como os títulos de cada capítulo são preposições e conjunções.
A narradora, Reta é uma escritora e tradutora que está a traduzir as memórias de Danielle Westermann, uma autora feminista (o livro dentro do livro). A vida de Reta é bastante confortável e estável com uma vivenda nos arredores de Toronto, um marido que é médico e três filhas. Mas de repente tudo muda quando a filha mais velha resolve deixar a universidade e decide viver nas ruas e senta-se no mesmo canto com um cartaz ao peito a dizer “Bondade” e um olhar vítreo. Até ao fim do livro o leitor ou leitora não sabe porquê e a própria narradora tenta comprender a razão: será que a filha tem uma doença mental, será que se trata de um desequilíbrio provocado pelos pais, será que é por causa de um namorado: O que nos vamos apercebendo aos poucos é que a protagonista perde o optimismo inicial com que pretende lidar com o caso e começa a enfurecer-se com esta e outras situações.
Reta, influenciada pela obra que está a traduzir interpreta a desistência da filha como estando associada ao que ela vê cada vez mais como a exclusão das mulheres, que começa a constatar em tudo o que a rodeia, iniciando uma série de cartas para se queixar de casos em que as capacidades das mulheres são o que ela chama “miniaturizadas”. O pior é que a realidade confirma a sua teoria:
"The world is split in two between those who are handed power at birth, at gestation, encoded with a seemingly random chromosome determinate that says yes for ever and ever, and those like Norah, like Danielle Westerman, like my mother, like my mother-in-law, like me, like all of us who fall into the uncoded female otherness in which the power to assert ourselves and claim our lives has been displaced by a compulsion to shut down our bodies and seal our mouths and be as nothing against the fireworks and streaking stars and blinding light of the Big Bang."
Claro que Unless é um pretexto para falar sobre o que realmente interessa e as digressões de Reta sobre a amizade, o casamento, relações profissionais, são passagens que eu pelo menos leio e releio. Pensamentos sobre a limpeza da casa e a arte de bem pôr a mesa para o jantar tocaram-me particularmente. É que como a Carol Shields, a mim fascina-me a esfera do doméstico criada pelas mulheres, sem conotações opressivas, um espaço que é considerado banal, indigno de aparecer em literatura, ou até ridicularizado. A verdade é que Reta sente-se impotente e por isso quer controlar a desordem da sua vida através da limpeza da casa e das rotinas. A última coisa que ela queria era: "to be possessed by a sense of injury so exquisitely refined that I register outrage on a daily basis".
Mas é essa nova ira que ela descobre em si própria que a ajuda a compreender melhor o mundo.
Um livro sobre uma escritora que está a escrever um livro sobre uma escritora e conselhos como pôr a mesa? é mesmo disto que eu gosto!

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