Sunday 28 October 2007

Douglas Coupland: a angústia dos 40

Festival de Literatura de Cheltenham II

O teatro “Everyman” estava às escuras, a não ser pela presença de um foco de luz no palco, não foi possível tirar notas, por isso aqui vai o que a minha memória reteve da palestra de Douglas Coupland:Sentei-me na segunda fila e à minha frente, no palco estava Douglas Coupland de pé a ler extractos do seu novo livro “The Gum thief”. É canadiano, tem 46 anos, é alto, com barba grisalha e está a perder o cabelo com grande rapidez, que não era nada como eu o imaginava. No início do anos 90, li com avidez “Generation X”, “Shampoo Planet” e “Microserfs”, livros que eram inovadores não só pela linguagem, pelos temas (Coupland especializou-se em dissecar ou definir a cibercultura do fim do século XX e início do século XXI) mas pelo uso de esquemas visuais, slogans e desenhos.Uma das coisas mais inesperadas neste festival é a capacidade de comunicação dos autores e a maneira desembaraçada com que falam dos livros que escreveram, o que à primeira vista não associamos com a profissão de escritor.Douglas Coupland é tímido e sarcástico com um sentido de humor apurado e faz pausas significativas entre palavras em cada extracto que lê do livro. No meio dos extractos conta pequenas histórias e faz apartes. Dizem os críticos que esta é a obra “mais adulta” de Coupland. (voltaremos ao “Gum Thief” mais adiante), mas o autor transmite um misto de entusiasmo juvenil com a desilusão dso 40 e tais. Tem uma voz muito profunda e agradável e toca na barba várias vezes, levantando os olhos claros, pequenos e incisivos. É o autor de “culto” por excelência com clubes de fãs na internet e com “postings” no “Youtube” desde que definiu uma geração, com o “Generation X” sobre jovens com cursos universitários que acabam em McJobs (um termo que também introduziu na língua inglesa), ou seja empregos no McDonald ou em sítios parecidos.Um dos apartes na leitura dos extractos foi explicar: “uso muito o nome Steve para as minhas personagens, porque acho um nome muito divertido”, disse em tom irónico. A certa altura revela que “nunca quis ser parte do mundo dos livros”, com ressentimento. Depois conta como pôs uma nódoa na camisola que tem vestida. Há algo nele de “nerd”, mas também de anti-intelectual, até porque se diz identificar mais com as artes visuais (faz escultura, instalações e mobília) e uma associação muito forte com a tecnologia. Tudo se divide em períodos relacionados com invenções tecnológicas e particularmente informáticas. Por exemplo “pré-google”, “pós-satélite”, antes da Microsoft dominar o mundo e etc…Cada livro (e ele produziu 12 de ficção) é como uma cápsula que congela o tempo, reflectindo aquela era particular…1991 (Generation X) ou 1995 (Microserfs).

“The Gum Thief”-o ladrão de pastilhas elásticas (soa melhor em inglês) é a história de Roger (quarentão, divorciado e deprimido) e Bethany (nova, “gótica” e deprimida) colegas num super-mercado de materiais para escritório (Staples) que tem uma “luz artificial que faz as pessoas parecerem doentes” através de cartas que escrevem um ao outro e diários. Roger está a escrever um romance verdadeiramente medíocre chamado “Glove Pond”, em si um nome absurdo e excerptos deste livro aparecem no “Gum Thief” que ele dá a ler a Bethany. Ambos sentem-se alienados e que falharam na vida, por razões diferentes e o facto de trabalharem no Staples não ajuda nada.Gostei muito do formato epistolar e claro que adoro “o livro dentro do livro, dentro do livro” porque a personagem do horrendo “Glove Pond” é também um escritor a escrever um livro. Um amigo meu uma vez disse-me que isto reflecte preguiça por parte dos autores “Será que não são capazes de inventar outras profissões e situações?”. Para mim este sistema funciona bem porque me interessa esse universo, mas percebo que nem toda a gente goste. É um livro que tem cenas hilariantes e outras tristes e perturbadoras, mas falta-lhe alguma consistência e coerência. O problema de Coupland é que a chamada “voz” da narrativa é inerentemente jovem e leve (à falta de uma palavra melhor), enquanto que a realidade que descreve é a desilusão do envelhecimento, a sensação de que as oportunidades são cada vez menores e de que o futuro que se avizinha é sombrio, como se caminhassemos numa linha inevitável e incontornável em direcção ao desespero, à doença, à solidão, à morte. O tom da escrita é no entanto quase jovial e muito masculino (no sentido que é uma escrita que só poderia vir de um homem…um tema para mais tarde).


Pérolas:


O casal do “Glove Pond” (Steve e Gloria) convida um escritor rival e a mulher para jantarem mas não têm comida em casa. Oferecem apenas whisky e gin em tal quantidade aos convidados na esperança que assim percam a fome

Os colegas maldosos do Staples encontram uma cópia do “Glove Pond” e começam a gozar com Roger, ao falar apenas com frases retiradas do livro

Há referências cruzadas no livro “real” e no livro “fictício” de maneira a fazer-nos questionar qual é a narrativa principal e que personagem é inspirada em quem.

Palavras do escritor:

“Because my writing comes from a different place (art school) than most other fiction, it tends to not fit into too many molds, and each book tends to be quite different than the one preceding it - which is, after a dozen books, my own pattern. "Life After God," say, is radically different from "jPod," and as a consequence I have frequently received polarized responses from readers who love/hate books in comparison with each other. The most fascinating reviews are from people who've read just two books, which seems to bring out their "Inner Simpsons Comic Book Man." If I had to read just two of my books, I'd read "Hey Nostradamus!" and "jPod."

Extracto:

Roger
“Do you want out? Do you often wish you could be somebody, anybody, other than who you are—the you who holds a job and feeds a family—the you who keeps a relatively okay place to live and who still tries to keep your friendships alive? In other words, the you who's going to remain pretty much the same until the casket?There's nothing wrong with me being me, or with you being you. And in the end, life's pretty tolerable, isn't it? Oh, I'll get by. We all say that. Don't worry about me. Maybe I'll get drunk and go shopping on eBay at eleven at night, and maybe I'll buy all kinds of crazy crap I won't remember I bid on the next morning, like a ten-pound bag of mixed coins from around the world or a bootleg tape of Joni Mitchell performing at the Calgary Saddle-dome in 1981.I used the phrase "a certain age." What I mean by this is the age people are in their heads. It's usually thirty to thirty-four. Nobody is forty in their head. When it comes to your internal age, chin wattles and relentless liver spots mean nothing.In my mind, I'm always thirty-two. In my mind, I'm drinking sangria beachside in Waikiki; Kristal from Bakersfield is flirting with me, while Joan, who has yet to have our two kids, is up in our hotel room fetching a pair of sunglasses that don't dig into her ears as much. By dinnertime, I'm going to have a mild sunburn, and when I return home from that holiday, I'll have a $5K salary bonus and an upgraded computer system waiting for me at my office. And if I dropped fifteen pounds and changed gears from sunburn to suntan, I could look halfway okay. Not even okay: hot.”


Blog do Douglas Coupland no New York Times


http://coupland.blogs.nytimes.com/

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