Sunday 21 October 2007

Germaine Greer: Ficção histórica factual

Festival de Literatura de Cheltenham
O primeiro evento que fui ver foi a apresentação do novo livro da autora feminista, professora de literatura e polemicista, Germaine Greer. Num auditório com capacidade para 500 pessoas quase cheio, Germaine vestida de preto salta para o palco, onde se senta num banco. Por trás do palco há um écran que projecta a sua imagem. E é só isto, ninguém mais vai falar, não há nenhum número teatral, música ou dança. Germaine Greer a falar com uma leve pronúncia da sua Austrália natal, durante uma hora é puro entretenimento. Comunicadora nata, com sentido de humor e uma carreira que além de académica se expandiu para os "media", a autora do livro de culto "The Female Eunuch" sabe captar a atenção do público, quase todo composto de mulheres de uma certa idade. O seu último livro chama-se "Shakespeare´s Wife" e é um calhamaço considerável que, através de investigação histórica e análise literária, tenta traçar um retrato de Anne Hathaway, mulher de William Shakespeare. Esta personagem nunca foi estudada em profundidade e nas biografias de Shakespeare é minimizada não só por ser "apenas a mulher", mas por ter a audacidade de ter casado com o génio do milénio, ser mais velha do que ele e ser uma "prisão" que o estava a impedir de se realizar como escritor e dramaturgo.
Para piorar as coisas é vista como uma mulher ciumenta e controladora, quer terá levado Shakespeare a refugiar-se no trabalho e no adultério.
A própria vida de Shakespeare tem diversas lacunas e muito do que se sabe sobre ele é especulação. Os dados que existem baseiam-se em registos paroquiais: nascimento, casamento, testamento e morte. E são por vezes contraditórios. É desta premissa que parte Germaine Greer. Já que tanto se especulou sobre o "bardo" porque não especular sobre a mulher?Primeiro, a perspectiva histórica. No século XVI, em Inglaterra no reinado de Isabel I, as mulheres são esposas, futuras esposas ou viúvas. "O celibato não é uma opção, mas uma perversão, numa altura de protestantismo radical. O casamento não é uma brincadeira", disse Greer que explicou à audiência que era "em princípio era contra o casamento e só se tinha casado num momento de distração. Casamento que durou três semanas". Mas essa é outra história. O que se sabe sobre o casamento de Shakespeare? Que ele tinha 18 e ela 26 anos quando se casaram em 1582, que ela estava grávida, que tiveram três filhos, que William deixou Stratford-upon-Avon onde viviam e mudou-se para Londres (entre 1585 e 1592) onde fez carreira como actor e dramaturgo. Germaine começa a especular que Anne Hathaway teria casado por amor, já que William era pobre e não tinha propriedade. "Era um poeta que não tinha onde cair morto, mas era um sedutor". A maioria dos biógrafos de Shakespeare deduziu que Anne era analfabeta, mas é possível que tendo um irmão padre e vindo de uma família muito protestante tivesse aprendido a ler. A nova religião, apostava no individualismo e pregava a literarcia, para que o povo aprendesse a ler e a não confiar no que diziam os padres, assim fortalecendo uma relação pessoal com Deus. Passagens da biblía eram lidas todos os dias em voz alta. Outro argumento para defender a tese de que Anne Hathaway era uma mulher inteligente, forte e madura, talvez até de algum modo dominante surge do estudo dos poemas e peças de Shakespeare. Onde encontrou ele inspiração para criar as mulheres que aparecem na sua obra, que à excepção de Julieta são todas mais velhas, com personalidades marcadas, temperamentos indomáveis e inteligências mordazes?Nas peças de Shakespeare, basta pensar no "Taming of the Shrew", as mulheres são mais maduras e emocionalmente mais inteligentes do que os homens. A vida de Shakespeare está cheia de lacunas e o que os estudiosos chamam os "anos perdidos". Faltam documentos factuais para podermos traçar um percurso e um retrato fidedigno do autor. No entanto, existem provas histórticas que em 1585, William partiu para Londres juntando-se a um grupo de actores de teatro. Os biógrafos concluem que ele abandonou a mulher e os filhos, o que consideram quase louvável e necessário, visto ele ter um talento que o vai tornar no escritor mais importante do milénio passado (pelo menos para os académicos anglo-saxões, decerto na língua inglesa). Um dos factos que apontam para a descredibilização, se quisermos de Anne Hathaway é o testamento de Shakespeare, que ao enriquecer com o sucesso literário que alcançou, apenas lhe deixa a "segunda cama", deixando todo o seu património à filha mais velha. Germaine Greer especula que Shakespeare não fugiu de Straford (se o tivesse feito, seria perseguido pela justiça por abandono do lar familiar) mas foi Anne que o deixou ir ou talvez ou tivesse até inventivado a tentar a sorte na capital para poder concretizar a sua aspiração de escrever para o palco. Anne ficou com três filhos nos braços e conseguir sustentar-se, ninguém sabe como. Germaine Greer sugere que ela tivesse criado um espécie de negócio, a tricotar meias, qulaquer actividade que lhe permitisse tomar conta das crianças ao mesmo tempo. Quanto à célebre cama deixada em testamento, Germaine explica que na altura, as camas eram peças de mobília caras e de luxo e que a "segunda cama" era a melhor, já que era reservada para hóspedes e estava em boa condição, enquanto que a cama do casal, era a cama de todos os dias, onde as crianças nasciam e as pessoas morriam, logo bastante usada e em mau estado. Germaine Greer termina esta aula em como entreter o público com história do século XVI e feminismo retrospectivo ao dizer: Este livro é um "produto da imaginação, mas é baseado em factos. É um ficção factual. Se consegui mudar a percepção do público sobre esta mulher que antes era invisível, considero que cumpri os meus objectivos".

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